O impacto do “social blaming corporativo” nas redes sociais
Por Tadeu Henrique Machado Silva e Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira
O tema não é recente, entretanto, sua presença se torna cada vez mais perceptível nas redes sociais, causando um impacto indiscutível no direito de diversas empresas por todo o país. Trata-se do crescente uso das plataformas para a prática conhecida como “Social Blaming”, ou em outras palavras, e por óbvio, na opinião de quem produz e compartilha a reclamação, uma forma de “justiçamento ou punição virtual”, no âmbito específico das relações profissionais.
Com efeito, particularmente no Brasil, observamos recentemente um aumento expressivo no uso de redes sociais de todos os tipos, especialmente o LinkedIn, mas não somente, na medida que novas gerações vêm se valendo de plataformas ainda mais modernas, como o Tik Tok, por exemplo, por meio das quais empregados ou ex-colaboradores fazem denúncias aberta e muitas vezes de forma nominal de seus gestores e empregadores. É sabido e implacável o poder das mídias sociais em todos os aspectos da vida social, e decerto, não é diferente no âmbito laboral, sobretudo quando a mensagem está a um clique de distância e a quase totalidade das pessoas tem acesso a um smartphone, em qualquer lugar e a todo instante.
A instantaneidade das relações produzida pela comunicação na rede social, onde o público se confunde com o privado, e a exposição muitas vezes é desmedida e pouco regulamentada, faz com que conflitos se instaurem, e com isso, o Poder Judiciário faça as vezes do intérprete dos fatos à luz da legislação vigente.
Em muitas situações, tanto a empresa empregadora como seus profissionais, que trabalham ou mesmo trabalharam com a pessoa denunciante, são “marcados” na postagem com publicidade total, isto é, permitindo que todos os demais usuários da plataforma tenham acesso aos relatos e tomem conhecimento sobre aqueles indivíduos envolvidos na circunstância relatada. E muitas vezes, como os relatos costumam ser auto declaratórios, estes pode ser extremamente críticos e contar com linguagem ofensiva e, invariavelmente, trazem à tona situações que – por motivos legítimos ou não – eram anteriormente ocultas do público em geral. E nesse passo, portanto, é inexoravelmente necessário que o Judiciário se coloque não como um órgão que faz calar ou que esteja alheio ou refute os novos meios pelos quais as pessoas se relacionam, mas sim como um farol de razoabilidade e proporcionalidade, inclusive, no que concerne ao uso disso como prova ou evidência.
Sabemos que as denúncias, por sua vez, abrangem uma variedade de contextos, muitas vezes ligadas a supostos casos de assédio moral sofridos ou condições de trabalho insatisfatórias dos denunciantes, invariavelmente com duras críticas aos empregadores, em tempo real ou não. No entanto, todas compartilham um objetivo comum: o de viralizar nas redes e, de alguma forma, causar danos à reputação da empresa ou mesmo do profissional citado, independentemente de existirem processos judiciais ou investigações formais em andamento.
Além disso, essas denúncias às vezes alcançam proporções bastante significativas, acumulando diversos comentários que incentivam senão validam o comportamento e o ato do denunciante, contendo desde críticas à empresa como aos profissionais supostamente envolvidos, como dito, baseados em uma única versão. É igualmente comum que tais comentários sejam pejorativos causando impacto imediato à reputação da empresa envolvida.
Há inúmeros exemplos que ilustram esta situação. De acordo com análises do setor empresarial, nos últimos 10 anos, assistimos a um crescimento de cerca de 80% no número de incidentes negativos que envolvem empresas atuantes no Brasil, sendo grande parte do aumento atribuído à expansão da internet, que conferiu voz e influência a muitos profissionais que, anteriormente, estavam limitados ao seu círculo social.
Adicionalmente, vale ressaltar que, apenas no último ano, dezenas de empresas se viram envolvidas em polêmicas nas redes sociais. Isso ocorreu mesmo com elas ostentando selos de boas práticas corporativas e adotando medidas de ESG (ambientais, sociais e de governança). A realidade é que, para uma vasta quantidade de usuários de redes sociais, tais credenciais e iniciativas têm pouca relevância, ao passo que se destaca a percepção pública e uma narrativa predominante, fatores que, é importante frisar, também alimentam o poder substancial das chamadas Fake News.
E o problema disso? O problema associado a essa prática de disseminação de informações, que são frequentemente tendenciosas e originadas por uma pessoa que passou por uma experiência desagradável, não necessariamente ilícita, é bem sintetizado na frase do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill: “Uma mentira dá meia volta ao mundo antes que a verdade tenha tempo de vestir as calças”.
Na era das redes sociais e da disseminação digital de informações (incluindo as imprecisas ou até falsas), o depoimento de uma única pessoa pode se espalhar muito rapidamente, antes que a verdade, os fatos precisos ou senão o direito de resposta dos envolvidos sejam oportunamente divulgados e tenham o mesmo tempo de tela, isto é, causando danos consideráveis à reputação de uma empresa ou de um indivíduo, com difícil reversão, mesmo após o esclarecimento dos fatos.
É justamente por isso que devemos criticar veementemente o fenômeno da “Autotutela das Redes”, sob pena de abuso de direito ou de colisão a princípios constitucionais. A utilização das redes sociais como meio de obtenção autônoma de justiça, sem levar em conta a existência de canais apropriados para isso e até mesmo a possível apelação ao Poder Judiciário como a forma adequada de resolver questões de natureza trabalhista.
Recentemente o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo [1] manteve a pena de justa causa aplicada contra um empregado que teria postado mensagem ofensiva sobre o seu empregador no Facebook, debruçando-se sobre os possíveis impactos diretos ou indiretos de tal conduta:
EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA – FALTA GRAVE – MENSAGEM POSTADA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) – CONFIGURAÇÃO. A importância positiva das redes sociais para as empresas, se define pelo “marketing de conteúdo”, que consiste no gerenciamento de estratégias para melhorar o reconhecimento e/ou identidade visual de um produto ou serviço, expondo tópico relevante, além de servir como um canal de atendimento, tanto para conquistar clientes, como um público-alvo. Portanto, é óbvio, que se uma empresa recebe um comentário negativo, esse pode ser visualizado pelos seus concorrentes e utilizado de forma prejudicial para a organização que o recebeu. E tal circunstância é agravada quando tal atitude parte de um funcionário. Afinal, embora as redes sociais funcionem no ambiente da Internet, não deixam de impactar profundamente “na existência das pessoas” (físicas ou jurídicas), até porque, hoje, é difícil dissociar o “digital” do “real”, porquanto muitas notícias saem primeiro na “web”, para após ser replicada em outras fontes de informações (jornais, revistas, etc.). Desta maneira, no caso corrente, não há como negar que o reclamante, com o seu comentário ofensivo, além do uso de palavras de baixo calão e o expresso desejo de obter a própria demissão, aviltou a reputação de sua empregadora, como dos seus colegas de trabalho, na maior e mais representativa rede social do mundo na atualidade (Facebook), dando ensejo à justa causa para a ruptura do liame empregatício pelo empregador, na forma do artigo 482, alínea j (“ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa…”). Apelo do reclamante a que se nega provimento. – Grifo nosso.
A análise é multifatorial, pois o uso pura e simples da rede social para uma crítica ao empregador não é bastante para a aplicação de justa causa, devendo o Poder Judiciário, ou antes disso, a própria empresa por meio de suas áreas jurídica e de compliance avaliarem o conteúdo, a forma como se deu a reclamação/denúncia/crítica, os impactos reputacionais perante terceiros, mas também apurar e identificar se tais fatos foram denunciados internamente, e se sobre esses fora feita a devida investigação.
Justamente por isso é imprescindível que os empregadores estejam amparados em políticas e normas internas robustas sobre o tema, que tratem sobre os limites ao exercício da liberdade de expressão na Internet ou outros meios, durante a prestação de serviços e foram do ambiente da empresa, notadamente com o advento mais forte do home office e do teletrabalho.
Não seria justo ou sequer adequado imputar a responsabilidade de cessar os compartilhamentos e comentários difamatórios nas mãos da empresa e dos profissionais afetados, uma ação atualmente defendida por parte do Poder Judiciário. É preciso atribuir responsabilidade àquele que acelera essas críticas, que nesses casos, é o autor da postagem, por óbvio, quando tal postagem contém informações imprecisas ou incoerentes, na medida que isso constitui um claro abuso de direito.
Vale citar outro julgado igualmente recente, do Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso [2], cuja decisão fora pela manutenção da justa causa aplicada a trabalhadora por mensagens de cunho difamatório postadas nas páginas da rede social da Prefeitura do Município no Facebook, no que diz respeito à supostos procedimentos de saúde e de segurança adotados pelo frigorífico empregador no combate à Covid-19. A trabalhadora negou as acusações e afirmou que os posts teriam sido tirados de contexto, todavia, o Desembargador Relator além de lembrar como é possível, juridicamente, obrigar os provedores a fornecer os dados cadastrais de usuários que acessaram perfil de rede social em um determinado período de tempo, também apontou que a guarda desses dados está prevista no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).
Segundo ele: “Isso porque a responsabilização dos usuários é um dos princípios do uso da internet no Brasil, consoante art. 3º, VI, da referida lei”, explicou. Na oportunidade, o Relator apontou que em virtude da rapidez com que as mensagens eletrônicas são disseminadas e dissipadas nas redes sociais, seria válida a mera impressão da tela do computador como prova, sem a exigência de ata notarial.
Não obstante a questão relacionada à forma, o referido Relator ao analisar o conteúdo de tais mensagens eletrônicas, avaliou o quanto a conotação depreciativa com que o empregador fora citado tanto configuraria um ato lesivo à honra quanto prejudicaria a imagem da marca perante o público em geral, com a exposição negativa e acessível a clientes e até investidores.
Importante destacar que o que se defende aqui não é a imposição de censura prévia a postagens relacionadas ao ambiente de trabalho, saúde mental, ou críticas ao assédio moral e sexual, que devem ser veementemente condenados com a participação ativa de todos os membros desse ambiente. O que se sugere, como medida de garantir maior salubridade ao ambiente virtual, com reflexos lógicos no mundo real, é um posicionamento mais firme do Poder Judiciário, que ao julgar possíveis abusos de direito, deve agir de maneira efetiva, reprimindo comportamentos difamatórios que são altamente prejudiciais não apenas à empresa, mas também a todos os demais funcionários que nela trabalham.
De outra parte, aos empregadores cabe adotarem medidas preventivas, que perpassem desde a conscientização de seu quadro de empregados quanto aos efeitos do uso indevido e impróprio das redes sociais, até estabelecer diretrizes claras e objetivas, e implementar ou rever os canais de denúncia disponíveis aos colaboradores, os quais devem ter ampla divulgação, em especial por força do que dispõe o artigo 23 da Lei 14.457, publicada em 21 de setembro de 2022[3].
Conclui-se, assim, que não obstante haja urgência em estabelecer limites para atos de “Social Blaming” nas redes sociais, especialmente no contexto corporativo, dada a amplitude dos danos significativos que podem ser causados à reputação das empresas e aos indivíduos envolvidos, até porque, na maioria das vezes, estes não têm a oportunidade de se defender adequadamente contra as alegações apresentadas antes que elas “viralizem”, é igualmente importante que as empresas estejam preparadas para lidar com tais ocorrências e devidamente munidas de normas internas robustas o suficiente para enfrentar essa problemática de frente, em linhas gerais, a fim de alcançar um maior equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à reputação e à defesa eficaz.
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[1] (TRT-2 10007168320195020027 SP, Relator: NELSON BUENO DO PRADO, 16ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 05/08/2021)
[2] Extraído de Mantida justa causa aplicada a trabalhadora de MT por mensagens postadas no Facebook – CSJT2 – CSJT
[3] Art. 23. Para a promoção de um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho, as empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) deverão adotar as seguintes medidas, além de outras que entenderem necessárias, com vistas à prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho:
I – inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e às empregadas;
II – fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis;
III – inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência nas atividades e nas práticas da Cipa; (…)