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Revolucionando o Mercado: Qual é o impacto dos Tokens Imobiliários na legislação atual?

Por Sofia Mecca e Felipe Moreira

Nas últimas semanas, o setor imobiliário brasileiro foi agitado com a empolgante notícia de que o primeiro token imobiliário do mundo foi listado, e começou a ser negociado, em uma das principais plataformas de intermediação de criptoativos da América Latina. Isso intensificou ainda mais os debates jurídicos – que já estão fervilhando – acerca dos efeitos dos ativos criptográficos sobre o direito imobiliário.

A tokenização de imóveis refere-se ao processo de converter a propriedade de um ativo imobiliário em tokens digitais, por meio de um processo que envolve o registro dessa operação em um registro DLT (Distributed Ledger Technology). Esses tokens representam uma fração do imóvel tokenizado e podem ser comprados e vendidos de forma isolada, proporcionando uma nova forma de investir em imóveis. Trata-se, em verdade, da transformação de um ativo físico (bem imóvel) em tokens digitais (bem móveis intangíveis) que simbolizam a propriedade subjacente, juntamente com todos os seus direitos e obrigações. Contratos inteligentes são empregados para estabelecer as particularidades contratuais.

A inclusão do token na plataforma de intermediação, portanto, simbolizou o crescimento, e possivelmente início de difusão, do processo de tokenização imobiliária no país, com a possível democratização do acesso à propriedade imobiliária para um público mais amplo, com menos burocracia e riscos, já que o detentor do token somente responderá, teoricamente, até o limite de sua participação naquele imóvel.

No entanto, apesar dessa animadora inovação, existem precauções que devem ser tomadas por aqueles que desejam investir e adquirir tokens imobiliários. A principal delas é a necessária diferenciação entre a aquisição de um token e a aquisição da propriedade imobiliária, já que, no Brasil, a transferência da propriedade de um bem imóvel depende de formalidades legais imprescindíveis.

Com efeito, o Código Civil estipula, em seu artigo 108, que a aquisição de direitos reais sobre imóveis, seja por constituição ou transmissão por atos intervivos, deve ser feita por escritura pública, só ocorrendo a transferência da propriedade imobiliária após o registro desse título aquisitivo no respectivo Cartório de Registro de Imóveis – a menos que haja exceções expressamente previstas em lei.

Por outro lado, a propriedade de um token é estabelecida a partir do registro da transação de aquisição em uma rede blockchain (DLT), sem a necessidade de lavratura do ato em cartório, até porque os tokens são considerados, atualmente, como bens móveis intangíveis, afastandose da caracterização legal de um bem imobiliário. Assim, qualquer pessoa que adquira ou detenha um token passa a possuir um direito contratual e obrigacional sobre a parcela do bem imóvel em questão, o que não se confunde com o direito real de propriedade do bem.

A aquisição de tokens, dessa maneira, não confere a seu titular direitos reais sobre o imóvel em questão – os quais são mais amplos e protecionistas – mas apenas direitos obrigacionais sobre o negócio tokenizado. Isso significa que diversos direitos conferidos ao proprietário registral de um bem não serão automaticamente transferidos ao detentor do token. Não há garantia, por exemplo, da oponibilidade erga omnes da propriedade, da presunção absoluta do direito de propriedade e do direito de preferência, os quais, no sistema jurídico brasileiro, não nascem pelo simples consenso contratual. Em outras palavras, a autonomia privada, isoladamente, não produz efeitos aquisitivos no mundo dos direitos reais.

Assim, a partir de uma simples interpretação da legislação atualmente vigente, nota-se uma certa dificuldade de se compatibilizar o conceito de propriedade do ordenamento jurídico brasileiro com a operação de tokenização de um imóvel.

Aliás, visando evitar possíveis conflitos e erros sobre referidas operações, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, através do Provimento nº 038/2021, buscou regulamentar a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis por tokens e seu respectivo registro imobiliário e, nessa oportunidade, consignou-se o entendimento de que, pelo fato de o token não corresponder ao imóvel ou a uma fração dele, a relação havida entre as partes não reflete direitos reais, limitando-se apenas ao campo obrigacional.

De toda maneira, não há motivos para desconsiderar o avanço que pode ser obtido por meio de operações de tokenização. Com efeito, podemos dar o exemplo de uma operação em que o detentor de um token realiza a permuta de seu ativo pela propriedade registral do imóvel que aquele representa e, a partir da lavratura de uma escritura pública, adquira um direito real sobre o imóvel, tal qual o direito de receber aluguel sobre o bem.

Dito isso, embora o entendimento tenha estabelecido que não há vínculo entre a propriedade digital e a propriedade real, nota-se que o detentor de um token poderá, perfeitamente, adquirir certos direitos do bem imóvel, como por exemplo, o de gozo. Ou seja, ainda que à primeira vista não se vislumbre que a aquisição de tokens imobiliários possam garantir a seus detentores os mesmos direitos que são assegurados a um proprietário de um bem imóvel, fato é que a operação confere amplo dinamismo a relações imobiliárias atuais.

Dentre inúmeras outras possibilidades, é perfeitamente possível a celebração de “smart contract” a fim de que haja a cessão do direito ao recebimento dos frutos ou rendimentos de um imóvel, de modo que o cedente, através da criação de um token, poderá ceder o aluguel ao cessionário e, por conseguinte, proceder com a antecipação do respectivo recebível.

Assim, embora o direito imobiliário seja complexo e rígido, principalmente quando se fala do ordenamento jurídico pátrio, verifica-se que a tokenização imobiliária, seguindo a onda da digitalização, é capaz de contribuir com a dinamicidade do setor através do combate à baixa liquidez dos imóveis, aumento da procura e redução do tempo de captação de recursos.

Ainda que exista um longo caminho a ser percorrido, a fim de que a haja uma compatibilização entre os objetivos das operações, que, como visto, podem dinamizar, aquecer e ampliar o mercado imobiliário, e a regulação dessas operações, especialmente do ponto de vista notarial e registral, é nítido que a tokenização imobiliária já é uma realidade social e possui um vasto potencial de colaborar com excelentes oportunidades de ganhos e investimentos e, se munida de uma regulamentação racional e dinâmica, poderá alavancar o mercado com a tão prezada
segurança jurídica.

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