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Tribunal de Justiça de São Paulo impede recuperação judicial de sociedade de propósito específico com patrimônio de afetação

Por Sofia Chiara Mecca e Brenno Mussolin Nogueira

O Tribunal de Justiça de São Paulo avançou no entendimento sobre a utilização do benefício da Recuperação Judicial em caso de incorporação imobiliária e Sociedade de propósito específico (SPE) com patrimônio de afetação.

O regime de patrimônio de afetação na incorporação imobiliária consiste na possibilidade de que determinados bens – como p. ex., o terreno e as acessões – sejam apartados do patrimônio geral do incorporador e passem a ser destinados única e exclusivamente à consecução de um empreendimento específico e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes, respondendo tão somente pelas dívidas e obrigações daquela incorporação e não se comunicando com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio do incorporador.

Essa opção dada pela Lei n. 4.591/64 ao incorporador, além de garantir segurança aos adquirentes, já que os recursos da incorporação serão destinados exclusivamente à finalização da obra e entrega das unidades, sem que eventuais problemas financeiros ou empresariais repercutam no empreendimento, também contribui no fomento da incorporação, com a facilitação na obtenção de crédito para financiamento, redução da carga tributária – Regime Especial de Tributação (RET) – e transparência na gestão.

Relevante frisar que a SPE e patrimônio de afetação são conceitos que não se confundem, mas se complementam, visto que este representa uma garantia adicional aos adquirentes do empreendimento, os quais, em caso de problemas financeiros ou empresariais daquela, estarão assegurados pelo patrimônio afetado, segregado do patrimônio geral da própria incorporadora.

Caso se opte por esse regime, os créditos oriundos dos contratos de alienação das unidades imobiliárias e as obrigações decorrentes da atividade de construção e entrega dos imóveis serão, na recuperação judicial, considerados extraconcursais e não serão passíveis de repactuação dentro do concurso de credores.

Outrossim, além de poder ser realizada a qualquer tempo, a afetação patrimonial poderá ser parcial, de modo que, em uma mesma incorporação imobiliária, poderão subsistir bens e direitos não afetados com outros parcialmente afetados e outros, ainda, integralmente submetidos à afetação.

Nesse sentido, em que pese não haver vedação legal ao pedido de recuperação judicial da SPE com patrimônio de afetação, o Tribunal de Justiça entendeu que, em decorrência da afetação, as relações jurídicas vinculadas ao empreendimento são incompatíveis com o procedimento da recuperação judicial ante ao regime especial a que estão submetidas, não se admitindo a comunicabilidade com o patrimônio geral da incorporadora para pagamento de outros credores enquanto não encerrado o patrimônio de afetação.

Tal discussão ganha forma ao analisarmos o endividamento da própria SPE. Isso porque, é detectável no modelo de negócios de incorporação imobiliária que a SPE possui dividas comuns que não estejam vinculadas ao patrimônio de afetação, sendo estas dívidas passíveis à reestruturação e novação da recuperação judicial – como p. ex., despesas condominiais, baixas de hipoteca, indenizações por atraso na entrega de obra ou por vícios de construção – uma vez que não são intrínsecos à construção do empreendimento.

Embora não se possa projetar os efeitos da recuperação judicial no conjunto de ativos e passivos afetados, coexiste na SPE outros passivos que integram o patrimônio geral, de modo que, por não haver impedimento legal, comportaria à SPE o ingresso com o pedido de recuperação judicial e sujeição de tais créditos ao procedimento de reestruturação e novação.

Em outras oportunidades o Superior Tribunal de Justiça abordou parcialmente o tema quando tratou da inclusão do ativo da SPE com patrimônio de afetação para pagamento de débitos do patrimônio geral do incorporador, contudo, por questões formais, não se aprofundou sobre a possibilidade de recuperação judicial para repactuação do passivo comum da SPE.

O tema de incompatibilidade entre a Lei n. 4.591/1964 e a Lei n.11.101/2005 gera divergências, pois, a abarcam dois princípios pilares do direito econômico brasileiro que atinge todo um sistema de crédito essencial para o desenvolvimento e fluidez da ordem econômica e financeira do país, bem como e a finalidade de preservação da atividade econômica, geradora de empregos, riquezas, impostos e etc.

Nesse ínterim, surgem soluções sobre a possibilidade de, se respeitada a segregação patrimonial do patrimônio de afetação – não sujeito ao plano de reestruturação e à consolidação substancial –, o acesso de sociedade de propósito específico à recuperação judicial seria viável em relação ao passivo comum da SPE, já que, além de não haver vedação expressa no ordenamento jurídico, o art. 50 da lei 11.101/05 menciona diversos meios de recuperação judicial, que, em negociação coletiva entre devedor e credores, poderão ser utilizados para preservação da atividade econômica.

Decerto, caberá ao Superior Tribunal de Justiça pacificar o tema da interpretação da incompatibilidade do patrimônio da afetação com o pedido de recuperação judicial, realizando uma a interpretação extensiva da Lei n. 4.591/1964 e a Lei n.11.101/2005, visando trazer uma segurança jurídica no ordenamento cogente e credibilidade dos institutos do direito econômico e empresarial.

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